Jonas e o Circo Sem Lona
O menino e o mundo
por Bruno Carmelo
Jonas é um garoto baiano de 13 anos de idade, vindo
de uma família de artistas de circo. Ele herdou a paixão pelas artes circenses,
mas não recebe o apoio da própria mãe, que prefere ver o filho longe da pobreza
em que vivem. O circo não proporciona retorno financeiro, segundo ela, de modo
que seria melhor Jonas concluir os estudos e buscar uma carreira mais estável.
Mesmo assim, ele cria seu próprio circo, com pouquíssimos recursos,
coordenando-o com o rigor e a vontade de um diretor profissional.
Estes são os conflitos centrais de Jonas e o
Circo Sem Lona, um belíssimo documentário brasileiro que combina
a simplicidade da forma com a profundidade do conteúdo. Através do caso único
de Jonas, com a câmera sempre focada em seu rosto e seu corpo, a diretora Paula Gomes alça voos mais altos, refletindo sobre a
dificuldade de fazer arte popular no Brasil e o abandono dos sonhos como
metáfora do amadurecimento.
O tom da projeção combina ternura e melancolia.
Jonas não é idealizado pelo projeto: ele não é o melhor artista do mundo, nem o
garoto mais carismático, tampouco possui uma história excepcional que “mereça
virar cinema”. O jovem parece ter sido escolhido por sua condição comum,
representando assim tantas outras crianças em condições semelhantes. Existe
clara intenção universal neste panorama. Seu pequeno circo, apesar de precário,
é organizado com o comprometimento que o garoto não apresenta nos estudos
formais.
Nesse sentido, a cineasta faz uma defesa da
infância, provando que o garoto considerado irresponsável pela mãe e “mau
exemplo” pela professora (“Você não deveria fazer um filme sobre ele”,
protesta) é dotado de senso de responsabilidade ímpar, mas aplicado a outras
áreas de interesse. Jonas e o Circo Sem Lona contrasta as noções de cultura
erudita (“Por que eu preciso conhecer a história do Egito?”, reclama o garoto)
e cultura popular (o circo), a infância e a fase adulta, a utopia e a realidade.
A montagem equilibra-se com uma naturalidade
exemplar entre esses dois registros. Aliás, todos os quesitos técnicos são de
uma simplicidade notável, mas tão rigorosa quanto o circo de Jonas. Os
enquadramentos são precisos, a fotografia valoriza a luz natural sem querer
embelezar o ambiente paupérrimo. “Por que você está fazendo um filme sobre meu
circo?”, pergunta honestamente o garoto, pouco acostumado a ser observado com
interesse pelas pessoas ao redor. A resposta é simples e complexa ao mesmo
tempo: Paula Gomes diz que seu filme, realizado com equipe pequena e recursos
limitados, não é muito diferente do circo de Jonas. Existe, assim, uma
cumplicidade entre ambos.
O filme poderia se ater ao retrato delicado, mas
a direção vai além. A cineasta faz questão de expor com franqueza sua
influência neste meio, afinal, a chegada de uma equipe de filmagem ao vilarejo
baiano não passaria despercebida. Gomes tem noção do caráter encenado de
algumas falas, da versão melhorada de si mesmas que algumas pessoas retratadas
podem demonstrar. Mesmo assim, a narrativa é construída pela observação
silenciosa e atenta, sem narração nem entrevistas diretamente para a câmera.
Jonas e o Circo Sem Lona proporciona uma experiência fascinante pelo
humanismo carinhoso, capaz de combinar intimismo e ambições sociológicas,
observação e intervenção – a diretora chega inclusive a pedir à mãe de Jonas
que o deixe partir com o circo do tio. Estamos ao mesmo tempo perto demais do
garoto, observando seu choro e seu primeiro beijo, e distantes o suficiente
para observar a vida de todos os artistas de circo, todas as pessoas pobres da
Bahia, e todos os adultos que, como Jonas, abriram mão de sonhos na infância.
Fonte:http://www.adorocinema.com/filmes/filme-237706/criticas-adorocinema/
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