Um projeto gigante de corredor verde e
os desafios da restauração florestal
Com extensão de 2.600 km, proposta de
ONG holandesa ao longo de todo o Rio Araguaia tem como bandeira a proteção da
onça-pintada preta; projeto se baseia em recuperação de áreas desmatadas, hoje
um dos maiores desafios e promessas no Brasil para o combate à mudança do clima
HONOLULU – Imagine um
trabalho de reflorestamento de 2.600 quilômetros contínuos, com até 40
quilômetros de largura, cortado a metade norte do Brasil em uma área total de
10,4 milhões de hectares, com cerca de 2 bilhões de árvores plantadas.
O projeto ousado foi
apresentado pela ONG holandesa Black Jaguar Foundation, em parceria com uma
brasileira e também cientistas nacionais, durante o Congresso Internacional de
Conservação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que é
realizado em Honolulu (Havaí).
Mapa do rio
Araguaia. Corredor seria feito ao entorno dos seus 2.600 km, com até 40 km de
largura
Visando o
reflorestamento das áreas de preservação permanente (APPs), a até 20 km de
cada margem, e de Reserva Legal durante todo o trajeto do Rio Araguaia, que
nasce no Parque Nacional das Emas (GO) e deságua no Atlântico, em Belém (PA), o
projeto tem como ponto de partida o Código Florestal, que obriga a recuperação
de áreas desmatadas ilegalmente. Mas propõe que isso seja feito de modo
integrado, fazendo com que os trechos recuperados tenham conexão, a fim de
promover um grande corredor para a biodiversidade que transita – ou não mais,
justamente pela falta de floresta – naquela região.
A ideia de corredores não é nova e orienta
projetos de conservação há muitos anos no Brasil, mas esse, se der certo, seria
o maior do País. O mecanismo por trás dele, porém, que implica em proprietários
de terra fazendo replantio de floresta, é hoje um dos principais desafios
ambientais do Brasil e do mundo e foi um dos temas mais discutidos nos
primeiros dias do congresso da IUCN em razão de seus benefícios tanto para a
proteção da biodiversidade, quanto para diminuir os impactos das mudanças
climáticas e aumentar a resiliência dos países a elas(leia mais sobre isso
em texto abaixo).
Nacionalmente, o
Brasil se comprometeu a restaurar e reflorestar, até 2030, 12 milhões de
hectares de florestas, como parte de sua meta de reduzir emissões de gases de
efeito estufa proposta como contribuição ao Acordo de Paris. Como isso vai ser
feito e por quem vai pagar a conta ainda é objeto de intensa discussão e de
estudos.
Para o holandês Ben
Valks, que criou a Black Jaguar Foundation depois de se aventurar pela região
amazônica, sem sucesso, em busca da “black jaguar” – uma variante rara de onça
pintada, que em vez da pelagem caramelo tradicional, é mais escura, se
misturando com as pintas negras –, um dos caminhos para conseguir fazer com que
os proprietários de terra se adequem à lei é levantando fundos em todo o mundo.
Onça rara já não
encontrada na área foi o que motivou o projeto
Com o mote de que “é
tarde demais para ser pessimista”, ele levantou uma verba inicial, que não quis
informar de quanto, para dois plantios-piloto em duas propriedades em Limoeiro
(PA) e Caseara (TO), totalizando uma área total de 6 mil hectares, para usar
como modelo concreto para divulgar o projeto e alavancar os recursos.
A equipe de Valks
calcula por alto que vai precisar bem de uns 4 bilhões de euros (em torno de R$
14 bilhões) para fazer tudo isso, mas defende que como os ganhos climáticos
desse corredor, que cortaria os biomas Cerrado e Amazônia), são para o mundo
inteiro, pessoas, empresas e governos de qualquer lugar poderão se interessar
em contribuir.
Déficit. Hoje somente cerca de 15% do curso do rio tem
algum grau de proteção governamental: 10% com terras indígenas e 5% com parques
nacionais. Os proprietários que têm terras no entorno deveriam proteger APP e
Reserva Legal, em taxas variando de 20% a 80% das propriedades.
As cifras exatas de
quanto disso foi desmatado devem ser fornecidas pelo Cadastro Ambiental Rural
(CAR), ferramenta do Código Florestal que estabelece que todo dono de terra tem
de informar, de modo geolocalizador, as informações de produção e de proteção
de suas áreas. Mas a expectativa é que a maioria já tenha ido embora pela
pressão da agropecuária.
Além das onças
pintadas, que hoje estão sumidas da região justamente por conta da perda de
habitat, o projeto espera beneficiar o boto-cor-de-rosa, a lontra gigante, o
jacaré-açu e a piraíba, a maior espécie de peixe de couro da América do Sul. As
espécies, no entanto, são apenas a bandeira do projeto. Segundo Ivan Nisida,
coordenador de projeto da ONG, a ideia é desenvolver com os proprietários práticas
agroecológicas de integração floresta-pecuária-lavoura para tornar a economia
local sustentável e livre de novos desmatamentos.
“Queremos que as
parcerias com produtores, independentemente do porte, produzam benefícios
sociais e econômicos. Além dos impactos ambientais positivos, o Corredor do
Araguaia vai figurar como um vetor de prosperidade”, diz.
Questionando sobre se
não é um projeto quase impossível de ser alcançado, Valks respondeu: “É
difícil, mas somos uma ONG com um projeto só. Grandioso, mas é o nosso foco. E
estamos trabalhando com o cumprimento da lei, com a necessidade que os
produtores têm de restaurar suas terras, então é, de certo modo, mais prático”.
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Um dos pontos
centrais das discussões de ONGs e do governo brasileiros no congresso da IUCN
foram os desafios e os benefícios das metas de restauração florestal no Brasil.
A tradicional ideia
de que se trata de uma iniciativa cara – o preço para restaurar os 12 milhões
de hectares prometidos pelo governo federal até 2030 já foi estimado em pelos
menos R$ 31 bilhões –, foi combatida por pesquisadores e ambientalistas que
pedem para que se olhe para os benefícios da restauração.
“O plantio de árvores
nativas gera residência, emprego, segurança hídrica, melhora o solo, além de
absorver carbono”, comenta Rachel Biderman, diretora do World Resources
Institute (WRI) no Brasil.
Ela destaca ainda que
o preço não é alto quando se compara com outras tecnologias complexas que estão
sendo usadas ainda em pequena escala de sequestro de CO₂. “Na comparação com
outras alternativas, a restauração florestal ainda é a forma mais barata de
tirar carbono da atmosfera”, diz.
O WRI faz parte da
Coalização Brasil Clima Florestas e Agricultura, que reúne mais de 120
empresas, ONGs, associações setoriais e centros de pesquisa em busca, entre
outras coisas, de estratégias para fazer com que a restauração florestal
alcance uma larga escala no Brasil.
Para isso, afirma
Rachel, vem sendo investigadas iniciativas isoladas já em curso no Brasil para
oferecer um leque de melhores opções aos produtores.
Desafio de Bonn. E não é só o Brasil que está interessado
nisso. Durante o congresso da IUCN foi comemorado que o chamado Desafio de Bonn – esforço de adesão
voluntária global que tem como meta a restauração de 150 milhões de hectares,
em todo o mundo, de florestas degradadas até 2020 – está perto de ser cumprido.
Compromissos que vêm
sendo assumidos desde 2011 e que ganharam um impulso nos últimos anos,
ultrapassaram a marca dos 100 milhões de hectares, segundo anúncio feito no
final da semana passada. O número exato são 113 milhões de hectares
distribuídos em compromissos assumidos por 36 países, organizações e empresas.
O Brasil não entrou
no desafio, mesmo tendo a meta de restaurar 12 milhões de hectares junto ao
Acordo de Paris. José Pedro de Oliveira Costa, secretário de Biodiversidade e
Florestas, sinalizou em Honolulu que isso está na mira do governo e que pode
ser concretizado depois que o presidente Michel Temer ratificar o acordo, o que
está agendado para acontecer na próxima segunda (12).
O Desafio de Bonn,
defendem ambientalistas, pode ajudar a viabilizar a meta dos 12 milhões. “Vira
um veículo de implementação, uma vez que dá a uma proposta hoje nacional uma
visibilidade global ao fazer parte de um compromisso maior”, defende Miguel
Calmon, gerente de Restauração da Paisagem do Programa Global de Florestas e
Mudanças Climáticas da IUCN, que dá suporte ao desafio.
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