'Iconografia
do Cangaço' traz revelações sobre Lampião
Simonetta Persichetti -
Especial para o 'Estado'
A saga de Virgolino Ferreira da Silva, o conhecido Lampião
(1898-1938), é talvez uma das mais importantes e conhecidas da história
brasileira. Envolto em lendas e verdades, o Rei do Cangaço povoa até hoje o
imaginário nacional. Mas a trajetória desse fenômeno social remonta ao século
18, quando bandos de cangaceiros passaram a se formar no Nordeste.
Segundo o escritor e jornalista Moacir Assunção, “o fato de
nos lembrarmos mais de Lampião quando falamos em cangaço é porque ele e homens
como Corisco, Zé Baiano, Zé Sereno e Luiz Pedro, viveram em uma época na qual
já existiam veículos de comunicação de massa, como as revistas, o cinema em sua
plenitude e os jornais, além de livros, já distribuídos no interior nordestino,
e da rica gesta da literatura de cordel”, escreve no livro.
Além disso, podemos dizer que Lampião se beneficiou da
invenção que se tornou a expressão da modernidade no começo do século 20: a
fotografia.
Imagem do livro "Iconografia do Cangaço" - Lampião e o Irmão
Parte desse acervo iconográfico foi organizada por
Ricardo Albuquerque e está no livro Iconografia do Cangaço, que será lançado
nesta terça-feira, 08, em São Paulo.
Imagem do livro "Iconografia do Cangaço" - Maria Bonita
A relação de Ricardo com essas imagens não se deu
por acaso. Foi seu avô, Adhemar Albuquerque, que ensinou o libanês Benjamin
Abrahão (1890-1938) a fotografar e filmar na década de 1930: “Meu avô nunca foi
profissional, mas gostava de fazer cinema e documentários. Gostaria ele mesmo
de ter filmado e fotografado Lampião, mas trabalhava como caixa num banco e seu
chefe não o liberou”, conta em entrevista por telefone. “O jeito então foi
munir Benjamin Abrahão de equipamentos e encomendar o material.”
O encontro dos dois se deu em 1934, por conta da
morte do Padre Cícero, de quem Abrahão tinha se tornado secretário. Adhemar
Albuquerque viajou até Juazeiro para filmar o funeral e foi ali que se conheceram.
A primeira tentativa foi um fracasso: “Os filmes ficaram todos velados e
Abrahão os colocou na sua mochila junto com a comida. Até formiga tinha”, conta
Ricardo. O jeito foi convencer Adhemar que valia a pena mais uma tentativa. E
assim foi feito. Desta vez, o precursor do cinema se certificou de que não
haveria erros.
O mascate libanês, cuja trajetória foi documentada
no filme Baile Perfumado, se torna então quase por acaso e por interesse
financeiro, o documentarista do bando do Lampião. Antes disso, porém, foi
necessária uma carta do próprio Lampião autorizando a empreitada.
O filme nunca chegou a ser
apresentado. Getúlio Vargas proibiu sua exibição e apreendeu o trabalho,
considerado uma afronta ao governo federal. O governo tentava combater o
movimento e não conseguia, então como é que agora o bando ia aparecia num
filme? Mas uma cópia tinha sido guardada e, dessa forma, após a morte de
Vargas, em 1954, o filme foi lançado no Rio de Janeiro pela primeira vez.
Anos se passaram e, em 2000, por ocasião da morte de seu pai, o conhecido
fotógrafo Chico Albuquerque, Ricardo volta para Fortaleza e funda o Instituto
Cultural Chico Albuquerque. Ao remexer nos arquivos, acha fotografias e frames
do filme feito por Benjamin Abrahão. Interessado pela história, aos poucos se
juntam a essas fotografias várias outras imagens, muitas de fotógrafos anônimos
ou ocasionais que passaram pelo sertão. Ao todo, o acervo tem no momento quase
400 imagens.
Registros que desvendam o cotidiano, os costumes dos cangaceiros, suas
vestimentas, uma narrativa histórica do movimento. Um inventário que inaugura
também, de certa forma, a reportagem fotográfica no Brasil. O jornal O Povo, de
Fortaleza, publicou algumas dessas imagens em reportagem de capa, em dezembro
de 1936.
Além das fotografias que trazem também histórias do período anterior ao de
Lampião, o livro conta também com um DVD com imagens do filme realizado por
Abrahão, em nova edição produzida pelo próprio Ricardo Albuquerque. Além disso,
inclui 5 minutos inéditos de filmes recuperados e restaurados pela Cinemateca
Brasileira em 2002. Um documento imprescindível para nos ajudar a entender este
momento da história brasileira.
Iconografia do Cangaço
Editora: Terceiro Nome (216 págs., R$ 120). Centro Cultural Rio
Verde. Rua Belmiro Braga, 119, Pinheiros. Terça, 08, às 19h.
acesso: 08/05/2012
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