Amazônia
13.03.2012
16:10
Sem dinheiro, barco-hospital pode deixar
ribeirinhos à deriva.
Crédito de Imagem: Adhara Luz
O Brasil enriqueceu e não precisava mais de ajuda
– e quem ajudava está agora com problemas em meio à crise financeira na Europa.
Com este argumento, a ONG holandesa Terre des Hommes quer encerrar suas
operações no País e, com isso, deixar pouco mais de 15 mil pessoas, de
comunidades ribeirinhas da Amazônia, sem acesso a atendimento de saúde. A ONG,
busca reaver seu barco-hospital Abaré, que atua desde 2006 na região amazônica
do rio Tapajós, no trecho que vai dos municípios de Santarém a Belterra.
“Com a
crise financeira e o crescimento econômico brasileiro, a Terre des Hommes acha
que não deve mais investir no Brasil. O que eles não entendem é que Amazônia
não é a mesma coisa que Brasil”, afirma Fábio Tozzi, o médico coordenador da
ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA), que desenvolve ações de saúde no Abaré.
Com o barco-hospital Abaré, o PSA e as
prefeituras de Santarém, Belterra e Aveiro realizam mais de 20 mil
procedimentos de saúde por ano, e consegue resolver 93% dos casos. Ou seja,
apenas sete em cada 100 pacientes precisam ser encaminhados a centros
hospitalares urbanos. “Com o Abaré, conseguimos uma significativa melhora nos
indicadores de mortalidade infantil e de qualidade de vida dos ribeirinhos”,
diz Tozzi, salientando a importância local do barco.
O anúncio de que o barco deixaria de operar
gerou uma campanha organizada pela população local com o slogan ‘#FicaAbaré!’.
As manifestações surtiram efeito. Por enquanto o Abaré permanece nas águas do
Tapajós, graças a um despacho do juiz Laércio Ramos, da 8ª Vara Cível de
Santarém. Ele determinou que o barco hospital Abaré I, de propriedade da ONG
holandesa, não poderá deixar o município de Santarém nos próximos seis meses.
Contudo, a decisão judicial é frágil e a
permanência do barco na região ainda depende da boa-vontade da ONG, analisa
Caetano Scannavino, coordenador geral do PSA. “O barco é de propriedade da ONG
holandesa e, se ela desejasse, poderia facilmente derrubar a liminar. No
entanto, o barco foi mantido (na região) por mais seis meses e estamos
negociando sua permanência”, diz.
Caetano explica que uma das soluções seria a
prefeitura de Santarém indenizar a Terre des Hommes pelo Abaré. “Está prevista
para o dia 5 de abril uma visita de representantes da prefeitura de Santarém
para a Holanda para iniciar as negociações”, conta Scannavino.
Unidade de Saúde da Família
Fluvial
Em funcionamento desde 2006, o Abaré
tornou-se modelo para a implementação do Programa Saúde da Família Fluvial, uma
política pública nacional lançada em 2010, pelo Ministério da Saúde (MS).
Assim, por meio da Portaria 2.191, regulamentou-se e destinaram-se recursos
federais aos municípios de toda Amazônia e Pantanal interessados na replicação
da experiência por meio de barcos-hospitais.
Crédito de Imagem: Marcelo Pelegrini
Com isso,
o Abaré foi qualificado como a primeira Unidade de Saúde da Família Fluvial
(USFF) do Brasil integrada ao SUS. “Nossa ideia é replicar esse modelo e
utilizá-lo para interiorizar a medicina na Amazônia e no Pantanal brasileiro”,
diz Caetano.
Desde janeiro de 2011, o Fundo Municipal de Saúde de Santarém conta com recursos do Ministério da Saúde próximos de meio milhão de reais anuais para uso exclusivo no custeio da embarcação e dos serviços assistenciais no Tapajós.
Desde janeiro de 2011, o Fundo Municipal de Saúde de Santarém conta com recursos do Ministério da Saúde próximos de meio milhão de reais anuais para uso exclusivo no custeio da embarcação e dos serviços assistenciais no Tapajós.
O exemplo bem-sucedido de parceria entre o
terceiro setor e os órgãos públicos suscitou o aumento da autonomia e
responsabilidades das prefeituras (Santarém, Aveiro e Belterra) que fazem uso
do Abaré. Hoje, os atendimentos são médicos são de responsabilidade das
Prefeituras e seus servidores. Cabe ao PSA apenas a cooperação para as ações
complementares de saúde – como campanhas educativas, assessoria à gestão
técnica, apoio logístico adicional, articulações com universidades, etc.
Falta de médicos
O Abaré também representa a oportunidade de
resolver um problema crônico brasileiro: a falta médicos no interior do País.
Para Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor da Faculdade de Medicina da USP,
o Brasil tem uma estrutura hospitalar muito desigual e os municípios menores
não conseguem oferecer a estrutura que o profissional de saúde precisa para trabalhar.
“O clínico identifica a doença e prescreve o tratamento, mas o município não
possui infraestrutura para tratar o paciente”, exemplifica.
Além disso, muitos profissionais optam por
não deixar os grandes centros urbanos, onde têm acesso à cultura e à
atualização profissional. Na tentativa de remediar este problema crônico,
segundo Silva, os municípios pagam salários muito superiores (cerca de 50% a
mais). “Trava-se uma verdadeira guerra para conseguir o profissional. Mesmo
assim o que acontece é o profissional ficar um tempo, fazer um pé de meia e
depois regressar ao grande centro”.
“A melhor estratégia para fixar o
profissional é a residência médica. Nela o médico começa a mostrar seu
trabalho, criar a sua rede de contatos e receber suas primeiras propostas de
emprego”, completa.
É sob esta abordagem que o Abaré pretende
começar a trabalhar e servir de exemplo para os futuros barcos-hospitalares. “O
PSA quer realizar cursos para gestores públicos para barcos-hospitais dos
municípios que serão contemplados pelo Programa Saúde da Família Fluvial e
iniciar um programa pioneiro de residência médica. Para tanto estamos
conversando com a USP e com Universidade Estadual do Pará (UEPA), a única
faculdade que oferece o curso de Medicina em Santarém”, adianta Tozzi.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/sem-dinheiro-barco-hospital-pode-deixar-ribeirinhos-a-deriva/
acesso: em 14/03/12
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